sexta-feira, julho 22, 2005

Elefantes Brancos

Extracto da intervenção de Miguel Sousa Tavares na TVI na terça-feira.

TVI - José Sócrates quis mesmo avançar já com a OTA e o TGV, mas agora levantam-se as dúvidas por parte do ministro das Finanças.
MST - Acho que ministro das Finanças tem toda a razão para ter dúvidas. Primeiro, porque a sua principal tarefa – e a política número um deste Governo – é conter o excesso de despesas do Estado e, por isso, ele vê, assustado, os projectos de investimento que aí vêm. Em segundo lugar, e como ele escreveu no Público de domingo e com toda a razão, não está provado que haja uma relação de causa/efeito entre o investimento público e o crescimento da economia ou a criação de emprego. No passado, Portugal atolou-se em muitos elefantes brancos, cuja rentabilidade ainda não vemos e ministro está assustado.

TVI - Há por aí uns quantos estádios que são uns belos elefantes brancos, por falar em investimento público recente.
MST - Exactamente. Há estádios que são uns belos elefantes brancos, há o Alqueva, que, para já, ainda não serve para aquilo que era suposto servir. Em relação ao TGV, a dúvida é tão lógica quanto os projectos mudam com cada governo que entra. Cada um tem uma rede nova de comboios desenhada, o que acaba por demonstrar que não é nenhuma necessidade evidente e nem uma definição concreta de que TGV é que precisamos. Em relação ao aeroporto da OTA, é pura e simplesmente, é um insulto feito aos contribuintes do país, além de ser um prejuízo altamente grave causado aos lisboetas, porque noventa por cento do tráfego da Portela dirige-se ou tem origem em Lisboa, portanto, os lisboetas estão interessados em ter um aeroporto em Lisboa. Acho que o país não precisa de um novo aeroporto Está mais do que demonstrado pelas pessoas que estudaram o assunto que tanto o Alqueva como o Montijo podem servir de continuação lógica ao aeroporto da Portela sem custos. Portanto, o aeroporto da OTA é um puro elefante branco. O ministro das Finanças tem toda a razão, mas, obviamente, está em rota de colisão com o ministro da Economia e com o primeiro-ministro. Espero é que, em vez de nos atirarem com o novo aeroporto e com um TGV para cima, ao menos, abram um debate público sobre isso.A economia portuguesa não é competitiva

TVI - Combustível adquirido em Espanha, que entra em Portugal sem o pagamento do respectivo imposto sobre o consumo. No fundo, nada que nos deixe muito surpreendidos.
MST - Não nos deixa mesmo nada surpreendidos. Acho bem que o Estado persiga a fuga e a fraude fiscal, mesmo além fronteiras, mas, realmente, quando o governo subiu o IVA, falou-se exactamente disso. Falou-se que os quatrocentos milhões de contos que o Governo espera receber este ano e os quinhentos milhões que espera receber para o ano, com o aumento de dois pontos no IVA, poderiam ser menos porque se atingiu um patamar tão grande de imposto que a tentação da fuga ao fisco é imensa. Não passa a ser desculpável, nem justificável nem legal mas, compreende-se, porque quando uma economia está em recessão, aquilo que o governo faz - em vez de diminuir as suas despesas, que é nisso que o défice, no fundo, tem a sua grande origem - é subir o imposto que tem mais à mão, aquele que, imediatamente, lhe dá receitas, que atinge todas as transacções, todos os negócios, todas as compras, todas as vendas. E quando, ainda por cima, no país ao lado, o IVA custa menos trinta por cento do que em Portugal, é evidente que se está a fazer um convite à fuga ao fisco. Assim como as pessoas passarem a fronteira para irem ao lado de lá encher os automóveis de gasolina e encher o porta- bagagens de mercearia, etc. O problema é que a economia portuguesa, assim, não é competitiva em relação a Espanha. Cada vez haverá um maior desequilíbrio comercial nas trocas com Espanha e, portanto, o que o governo está a fazer agora é correr atrás do prejuízo que ele próprio causou. Como disse há pouco, é bastante mais difícil que o Estado corte nas suas despesas - e nós temos os números que foram divulgados…

TVI - Os números dão conta de que o governo não conseguiu cortar a despesa, conseguiu, sim, arrecadar mais impostos, aumentando a carga fiscal.
MST - Exactamente. Só que há uma altura em que o copo está cheio. Há uma altura em que as pessoas já não querem pagar mais, ou não podem pagar mais, porque uma economia que vai crescer meio por cento, este ano, que está praticamente em recessão técnica, não é possível continuar a esgravatar num poço sem fundo dos impostos, das empresas e dos contribuintes. Todos sabemos, portanto, que a solução é cortar do lado da despesa e não do lado da receita. E por isso agora estamos na situação ridícula do governo ir pedir apoio aos espanhóis, para nos ajudarem a cobrar o IVA e eles devem rir-se imenso porque, é evidente, que os espanhóis, de cada vez que nós subimos o IVA em Portugal, riem-se profundamente. Estou a imaginar a colaboração que eles vão dar às autoridades portuguesas.