quarta-feira, setembro 28, 2005

Keynes e o Keynesianismo

John Keynes faz parte de uma muito restrita lista de pessoas que teve a honra e a maldição de ver o seu nome baptizar uma corrente de pensamento. Se por um lado perpetua o nome, por outro acaba por lançar alguma confusão sobre a concordância do próprio com ideias que carregam o seu nome mas não necessariamente a sua propriedade ou concordância.
Não é fácil traçar o que seria a linha de continuidade de John Keynes. Como não é fácil traçar efectivamente a sua linha em vida. Keynes foi um cientista empírico e um pragmático. Procurou a todo o momento perceber o que estava a acontecer, por muito que isso fosse contra as suas ideias, e não teve qualquer dúvida ou pena delas no momento da mudança. Mudou-as substancialmente quando a sua leitura da realidade lhe dizia outra coisa, e adaptou-as tacticamente para as tornar exequíveis o mais rapidamente possível.
O que é que este tipo de postura faria em Keynes ao longo destas décadas? Futurologia com não muito interesse, não fosse alguma abusiva utilização do seu nome a que continuamos a assistir por parte de alguns críticos e seguidores.
Tendo John Keynes vivido e presenciado o sucesso e divulgação das suas ideias, a ferramenta que melhor nos permite avaliar a continuidade ou não de Keynes no Keynesianismo é a relação do próprio Keynes em vida com os seus alegados continuadores, que deverá ser acrescentada do cruzamento das políticas seguidas nas seguintes décadas, tão comum quanto erradamente designadas por keynesianas, com a obra de Keynes.
De tudo aquilo que li até hoje, ninguém melhor do que Allan H. Meltzer escreveu sobre o fenómeno:
«The relation of the Keynesian policies adopted in the 1950s and 1960s to Keynes’s work has never been clear. One can search through Keynes’s major works on monetary theory without finding much discussion of the policies of fiscal adjustments now associated with his name. While Keynes at times preferred devaluation to deflation, he most preferred price stability. There is no basis in his analytic work for the notion of a lasting trade-off between inflation and unemployment. Indeed, Keynes opposed inflation throughout his life.
A main point of his Treatise on Money and of his General Theory is that prices should remain stable. In the General Theory (and elsewhere) he urged that “the money wage level as a whole should be maintained as stable as possible… This policy will result in a fair degree of stability in the price level”. (…)Few economists have been more critical of inflation than Keynes. He believed that the modern world is not well suited to violent changes in the value of money. (…) Inflation transfers wealth arbitrarily from private to public hands and “all permanent relations between debtors and creditors, which form the ultimate foundation of capitalism, became… utterly disordered… and the process of wealth getting degenerates into… a lottery”. »
Joan Robinson, deixou-nos este tão relevante testemunho:
« In fact Maynard Keynes himself was somewhat skeptical about the possibility of achieving permanent full employment. (..) It was his British disciples, rather than he, who drafted the white paper in 1944 which proclaimed that it is the responsibility of government to maintain a high and stable level of employment. Keynes said: “you can promise to be good but you cannot promise to be clever”. »
Keynes faleceu pouco tempo depois, mas 3 semanas antes da sua morte recebeu a visita de Hayek, que lhe perguntou:
«if he wasn't getting alarmed about what some of his pupils were doing with his ideas.
And he (Keynes) said, "Oh, they're just fools. These ideas were frightfully important in the 1930s, but if these ideas ever become dangerous, you can trust me, I'm going to turn public opinion around like this."
And he would have done it. I'm sure that in the post-war period Keynes would have become one of the great fighters against inflation.»
Sem dúvida, embora na sua ausência tenha sido Milton Friedman quem tenha estado mais próximo dessa vontade. E se é verdade que Keynes teria sido um opositor da inflação no período pós-guerra, é necessário relembrar (embora da citação de Hayek não se deduza o contrário) que, como escreveu Meltzer, Keynes foi um opositor à inflação desde sempre.
Mas se isto é tão claro na sua escrita (que em tantos outros aspectos é tudo menos clara), existe alguma razão conspirativa para que esta mensagem não esteja devidamente assimilada?
Conspirativa não. Dentro da profissão e das pessoas que se interessam por ela, Keynes é um grande economista seja qual for o ângulo de análise do seu contributo directo. Escreveu, nomeadamente na General Theory, um conjunto de afirmações que o tempo e a análise dos dados mostraram não estar correctas. Mas isto não apaga todo o seu restante contributo, ou fossemos a aplicar esta lógica à restante profissão e ficavamos com... bom, ficavamos sem ninguém.
É aliás do seu, historicamente, maior relevante opositor em matéria de contributo para a economia no séc XX, Milton Friedman, que podemos ler o seguinte:
«In listing "the" classic of each of these great economists, historians will cite the General Theory as Keynes's path-breaking contribution. Yet, in my opinion, Keynes would belong in this line even if the General Theory had never been published. Indeed, I am one of a small minority of professional economists who regard his Tract on Monetary Reform (1923), not the General Theory, as his best book in economics. Even after sixty-five years, it is not only well worth reading but continues to have a major influence on economic policy.»
Certamente, mas mesmo assim, continuando a citar M. Friedman:
«Rereading the General Theory has . . . reminded me what a great economist Keynes was and how much more I sympathize with his approach and aims than with those of many of his followers.»
O mesmo M. Friedman que escreveu:
«We are all Keynesians now; no one is any longer a Keynesian. (..) We all use Keynesian terminology; we all use many of the analytical details of the General Theory; we all accept at least a large part of the changed agenda for analysis and research that the General Theory introduced. However, no one accepts the basic substantive conclusions of the book, no one regards its implicit separation of nominal from real magnitudes as possible or desirable, even as an analytical first approximation, or its analytical core as providing a true "general theory.»
Pessoalmente partilho deste espírito no sentimento e na análise que Allan H. Meltzer e Milton Friedman fazem de Keynes. E se é verdade que há hoje uma tradição económica que podemos encontrar em Harvard, Yale, Princeton, MIT ou Berkeley que possivelmente não envergonharia Keynes, nomes como James Tobin, Alan S. Blinder ou Janet Yellen, a verdade é que décadas de algumas políticas erradas que indevidamente carregaram o seu nome acabam, para quem não conhece os assuntos com detalhe, por fazer crer que aquilo que hoje é vulgarmente conhecido como Keynesianismo é uma herança legítima de Keynes. Não o é. Essa versão é não mais do que uma "vulgata", nas palavras acertadas de Vítor Bento.
Em dado momento da história, John Keynes atravessou o Atlântico para jantar em Washington com os seus mais recentes "converts" keynesianos Abba Lerner, Alvin Hansen, conhecido como "o Keynes Americano" com influência em Harvard, co-autor com Hicks do famoso modelo IS-LM, e Evsey Domar. No dia seguinte Keynes encontrou-se com Austin Robinson (marido de Joan Robinson), tendo descrito o jantar assim:
«I was the only non keynesian there!»
Há frases que descrevem toda uma história.

in Mão Invisível, 27-09-2005

10 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Como disse Pedro Leao " o maior economista de sempre", e ainda a dar razão a grande piada sobre economia e economistas " é a unica ciencia em que duas pessoas podem receber um nobel por dizerem exactamente o contrario"..!

quarta-feira, setembro 28, 2005 5:22:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

o maior economista de sempre??
Mas que grande eleogio :)

quinta-feira, setembro 29, 2005 9:54:00 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

o Leao dizia que o Keynes era o maior economista de sempre, e eu concordo.

quinta-feira, setembro 29, 2005 11:24:00 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

ahhhhhhhh...
percebi...
john maynard keynes, lembras-te? he he
que impressão com que eu fiquei tua!!! :):):)

quinta-feira, setembro 29, 2005 11:36:00 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

john maynard: ÈS GRANDE! OBRIGADA POR SERES QUEM ÉS! por momentos pensei k este post tinha sido colocado pela martona e pensei: como é possivel esta gaja escrever isto! nao dava um cok por ela! mas fikei mais feliz quando vi k era apenas uma transcrição de outro blog!Uff! O mundo continua a ser mundo!

quinta-feira, setembro 29, 2005 11:55:00 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

LOL...
fuk!
não devia ter posto a orige... se calhar até passava! :):):):)

quinta-feira, setembro 29, 2005 12:54:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

por mim enganavas-me bem!pincel!

quinta-feira, setembro 29, 2005 2:35:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

he he...

quinta-feira, setembro 29, 2005 4:45:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Da-se!!!
Estou deslumbrado com este blog, isto é maravilhoso.
Admito não estava à espera de algo com tanto conteúdo.
Pensei que enfim talvez tivesse algumas fotos mais porcas, algumas piadas grosseiras...Afinal é refrescante...
Gostava de saber quem é que está a alimentar este prodigio?

quinta-feira, novembro 10, 2005 5:22:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

he he!! quem será????!!!!

quarta-feira, novembro 16, 2005 4:53:00 da tarde  

Enviar um comentário

<< Home